Escritor David Gilmour conta ao JT como educou
seu filho rebelde apenas vendo bons filmes
O canadense David Gilmour, autor de "O Clube do Filme", não imaginava que o livro fosse capaz de vender meia dúzia de cópias na vizinhança, quanto mais estar entre os mais vendidos do Brasil, Canadá e Alemanha. “Todo mundo gosta de uma boa história e acho que é isso que os leitores encontram no meu livro”, diz. “Nunca sabemos o que vai dar certo. Apenas acontece. É um mistério.”
A tal boa história surgiu da relação pessoal entre ele e seu filho Jesse. Quando tinha apenas 16 anos, o menino acumulava notas baixas e diversas reprovações. Sem saber o que fazer, o pai decidiu tomar uma drástica decisão: deixá-lo abandonar a escola com a condição de assistir semanalmente a três filmes que o pai escolhesse – e o garoto não poderia sair da frente da TV até que o longa terminasse.
“Disse ao Jesse que ele poderia dormir até tarde e fazer o que quisesse, mas teria de ver os filmes. E, se ele se envolvesse com drogas, o acordo estava cancelado”, conta o autor, que está no Brasil com o filho e conversou com o JT ontem, no Parque do Ibirapuera, com exclusividade.
“Li os originais do livro antes de meu pai entregá-los à editora. No primeiro momento, fiquei horrorizado, porque a obra falava muito da minha vida pessoal, meu envolvimento com drogas e desilusões amorosas”, conta Jesse. E tratar desses temas de forma natural, segundo Gilmour, é um dos objetivos do Clube do Filme. “O livro fala da relação entre um pai e um filho, não sobre cinema. Aquele foi um período muito importante para Jesse, pois ele estava se transformando em um homem. E também para mim, que buscava estabilidade profissional.”
Crítico de cinema, ex-apresentador de um programa sobre o assunto na TV canadense e âncora de talk-show, Gilmour estava desempregado e com o dinheiro contado quando escreveu o livro. Por isso, pai e filho tinham muito tempo para passarem juntos. “Como eu havia sido afortunado (embora certamente não parecesse assim) por não ter um emprego, por ter tido tanto tempo livre à disposição. Dias, tardes e noites. Tempo”, escreve Gilmour em uma das passagens.
As lições que o filho aprendeu foram, assim, ensinadas por diretores e atores como Marlon Brando, Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick, Jack Nicholson, entre outros figurões. Uma delas veio com "Interlúdio" (1946), de Hitchcock. No livro, Gilmour desafia o filho: “Pedi a Jesse que prestasse atenção em alguns detalhes do longa, como a escadaria da casa do vilão, no Rio de Janeiro. De que tamanho ela era? Quanto tempo alguém levaria para descê-la? Não expliquei o motivo da pergunta”, escreve o autor. A lição serviria mais tarde para lecionar a Jesse o que é suspense, pois Hitchcock, nas cenas finais, adicionou degraus na escada para o vilão demorar mais tempo para descer. “E você sabe por que Hitchcock é famoso? Pelo suspense”, completa.
Ao todo, a dupla assistiu, em três anos, a 350 filmes (no final da obra, há uma providencial filmografia, com todos eles). Quando Jesse completou 20 anos, o clube foi desfeito. “Uma hora, ele teria de acabar”, lamenta o pai. Jesse finalmente voltou a estudar e, claro, entrou para o ramo de cinema. Ele já escreveu, dirigiu e interpretou um curta-metragem – "The Tide" (A Maré) – e está com um roteiro pronto, vendido a alguns produtores de cinema canadense.
Do Brasil, pai e filho citam como bons filmes "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", "Cidade de Deus", "Central do Brasil" e "Pixote". “A ação em Cidade de Deus é fantástica. A cena da galinha, então...”, analisa o pai. Ao final da entrevista, os dois ainda comentaram que se impressionaram com o vasto conhecimento dos brasileiros sobre cinema. “Vocês realmente amam o assunto”, diz Gilmour.
Foi inevitável, portanto, o papo não acabar nas preferências cinematográficas de cada um (leia o resumo nos quadros abaixo).“'Showgirls' é o pior filme já feito. 'O Poderoso Chefão 2' é o melhor de todos os tempos. No Canadá, nosso homem é David Cronenberg, o único diretor bom do país. 'O Exorcista' é o filme mais assustador que eu já vi e um dos melhores filmes de guerra de todos os tempos é 'Apocalipse Now'”, resumiu Gilmour. O filho discordou em alguns pontos. “Hoje em dia, eu acho 'Nascido Para Matar', do Stanley Kubrick, melhor do que 'Apocalipse Now', de Francis Ford Coppola.” Então, tá.
OS FILMES DE DAVID GILMOUR
DAVID CRONENBERG
“David Cronenberg é o melhor diretor canadense. Ele é o nosso homem no cinema. Fez ‘A Mosca’, que é ótimo. Mas o melhor filme dele é ‘Uma História da Violência’, com Viggo Mortensen. Perfeito. Acho que todos os estudantes de cinema deveriam ver este filme.”
O EXORCISTA
“‘O Exorcista’ é o mais assustador filme de terror já produzido. Até hoje eu tenho calafrios. Na primeira vez em que fui ao cinema assisti-lo, saí do cinema nos primeiros 15 minutos. Na segunda, saí aos 30. Apenas na terceira vez o vi até o fim – mas com os ouvidos tampados.”
NASCIDO PARA MATAR
“Diria que ‘Nascido para Matar’, do Stanley Kubrick, é um filme sintético, não passa o real sentimento do Vietnã. Diria que existe apenas uma grande cena, quando os soldados seguem um tanque de guerra. Para mim, Kubrick fez só um longa bom, que é ‘O Iluminado’.”
SHOWGIRLS
“Não consigo imaginar um filme pior do que ‘Showgirls’. E o mais grave é que ele foi feito por um bom diretor: Paul Verhoeven (de ‘Robocop’). Um amador faria um filme melhor do que esse. É um diretor talentoso, mas fez um filme ofensivo, vulgar e nojento.”
APOCALIPSE NOW
“É uma verdadeira obra de arte, mas com um grande problema. Até Marlon Brando aparecer, o filme vai muito bem. Quando o ator surge, acaba roubando a cena, como uma tempestade. Então, o filme passa a ser só dele. O ator domina todas as cenas.”
O PODEROSO CHEFÃO II
“Entre todos os grandes filmes, ‘O Poderoso Chefão 2’ é o melhor cinema que já vi na vida. E este é o tipo de frase que só podemos dizer uma vez. É como os Beatles para a música: a banda está sempre no topo. É desta maneira que vejo ‘O Poderoso Chefão 2’.”
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