segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Lizzie Bravo.“O Paul perguntava coisas do Brasil e ajudou-me nos trabalhos da escola”

Aos 15 anos, uma menina carioca foi a Londres conhecer os Beatles. Passados dois anos e meio voltou para casa com fotografias, autógrafos e uma canção gravada com a banda mais famosa do mundo. Agora prepara um livro sobre a sua história.



Fonte: IO Online

Acabada de sair de um colégio de freiras, Lizzie Bravo decide ir para Londres em perseguição dos quatro de Liverpool. Hoje, aos 61 anos, relata com felicidade as temporadas à porta dos estúdios de Abbey Road, de Fevereiro de 1967 a Outubro de 1969. Já na ressaca da beatlemania, a banda atravessava o período mais criativo, com discos como “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” (1967) ou o “White Album” (1968). Acabou por participar numa gravação de “Across the Universe”, na qual cantou cara a cara com o seu ídolo, John Lennon. O take editado acabaria por não ser feito nesta sessão, ficando a participação da carioca imortalizada em raridades. A vida póstuma de Lizzie como cantora, inspiração do letrista Zé Rodrix e assistente de Milton Nascimento, são meras sombras de um passado glorioso na porta da casa de Paul McCartney em fuga da polícia.

Antes de conhecer os Beatles, que música ouvia?
Sempre ouvi muita música. A minha mãe cantava e o meu pai tinha uma grande colecção de discos, desde jazz a música clássica. Não ouvia rock, gostava de música francesa e brasileira.

Quando é que os quatro de Liverpool entraram na sua vida?
O meu pai trouxe-me dos EUA o primeiro disco dos Beatles, naquela época chegava tudo muito atrasado ao Brasil. Gostei do disco, mas não fiquei encantada. Quando vi o filme “Hard Day’s Night” (1964) no cinema, tudo mudou. Vê-los ao vivo e a divertir-se teve um grande efeito em mim. Depois de muitas idas ao cinema para ver o mesmo filme, acabei por conhecer muitas pessoas que eram fãs, quase sempre meninas. Criámos no Rio de Janeiro um novo movimento de amizade pelos Beatles.

Aos 15 anos saiu de um colégio de freiras e foi sozinha para Londres. Como?
No final de 1966, os Beatles anunciaram que não iam tocar mais ao vivo. Eu e a minha melhor amiga, Denise, começámos a perceber que, se não fôssemos a Londres, não íamos ter mais nenhuma oportunidade de os conhecer. No Brasil, quando alguém fazia 15 anos, tinha uma grande festa para se apresentar à sociedade e ia numa excursão pela Europa. Convencemos os nossos pais que devíamos ir as duas para Londres. A Denise foi logo em Janeiro de 1967. Enquanto eu esperava pela autorização do meu pai, ela enviou-me o meu primeiro autógrafo do John Lennon. No dia 13 de Fevereiro de 1967 aterrei em Londres.

Qual foi a primeira coisa que fez em Londres?
Quando cheguei, a Denise já estava à minha espera. Largámos logo as malas no hotel e fomos correndo para os estúdios de Abbey Road. Nessa mesma noite, vi o John, Paul, George, Ringo e o Brian Epstein (manager dos Beatles). O primeiro Beatle que conheci foi o John, o meu favorito.

E os seus pais deixaram-na ficar em Londres?
Os meus pais não sabiam que eu não ia voltar para o Brasil, mas eu sabia. Passados alguns meses pararam de me enviar dinheiro, tentaram fazer um grande movimento para eu voltar. Arranjei trabalho como empregada doméstica e babá, por isso eles acabaram por se conformar.

Ficava todos os dias em Abbey Road?
Os dias começavam de tarde, em casa do Paul. A casa era perto do estúdio e normalmente estava lá o John. Depois esperávamos que eles fossem para o estúdio e ficávamos até eles irem embora, quando já era de noite. Na hora que eles entravam em Abbey Road, éramos sempre cerca de 15 pessoas, mas na hora de saída éramos apenas duas ou três. A maior parte das meninas tinha de ir para casa ter com as suas famílias, mas eu e a Denise ficávamos a noite inteira. Era normal vermos o sol a nascer.

Os seguranças não vos mandavam embora?
Não existiam seguranças, havia apenas o porteiro de Abbey Road, o Neil Aspinall e o Mal Evans (assistentes da banda). Uma vez ou outra diziam para nos afastarmos, mas não havia qualquer segurança. Em casa do Paul era mais complicado, os vizinhos costumavam chamar a polícia. A polícia mandava a gente embora, nós dávamos a volta ao quarteirão e regressávamos ao mesmo sítio. Uma vez tentei explicar ao polícia: “Mas, moço, o John Lennon está ali dentro, eu não posso sair daqui!”

As mulheres dos Beatles não ficavam invejosas?
Nem por isso. Eram todas muito simpáticas connosco. A Cynthia Lennon era uma fofa, a Pattie Boyd também. A Yoko Ono era muito tímida, mas eu sempre gostei dela. Quando ela apareceu a primeira vez no estúdio, estranhámos muito, ela era muito diferente, tinha aquele estilo beatnick. Eu gostava de fazer tricô, fiz um xaile para ela e um cachecol para o John. Tenho duas fotos dele com esse cachecol.

O que aconteceu a 4 de Fevereiro de 1968?
Estávamos meia dúzia de pessoas na porta do estúdio e apareceu o Paul a perguntar se alguma de nós conseguia sustentar uma nota aguda. Como sempre cantei no coro da escola, falei que conseguia. Não sabia para que era, ele disse apenas: “Eu já volto.” Passado um bocado chamaram-me para o estúdio e estavam a olhar para mim os quatro Beatles e o George Martin. A primeira coisa que o Paul pediu foi para eu cantar em brasileiro, mas fiquei com vergonha e não cantei. Depois, Paul chamou também a minha amiga inglesa Gayleen Pease. O John mostrou-nos a canção “Across The Universe” no violão e o Paul acompanhou no piano. Depois o George estava tocando um instrumento indiano. Fiz os coros no microfone com o John. Ficámos duas horas e pouco a cantar e a conversar com eles. Foi um clima muito legal, não foi nada constrangedor. Na época, não tivemos muita noção do que estava a acontecer, só os nossos amigos sabiam que tínhamos cantado com eles.

Existe aquele mito de que o Paul era o mais simpático, é verdade?
Sim, ele era a pessoa mais fácil de conversar. As meninas eram todas apaixonadas por ele, mas eu não. O Paul perguntava-me coisas do Brasil, se tinha saudades da minha mãe, e ainda me ajudou nos trabalhos da escola. Eu prestava sempre mais atenção ao John, mas ficava muito nervosa e não conseguia falar bem com ele. Perguntava-lhe sempre pelo Julian.

Em 1969 foi embora, porquê?
A verdade é que já estava cansada, em Londres tinha de trabalhar muito. Os Beatles também já não passavam muito tempo juntos, na altura do “Sgt. Pepper’s” eles não iam sozinhos para lado nenhum. Quis dar outro rumo na minha vida.

No ano seguinte, George Harrison gravou a faixa “Apple Scruffs”. Perceberam que era para vocês?
Claro! As meninas que trabalhavam na Apple eram muito arrumadas e modernas, e nós não usávamos maquilhagem e tínhamos roupa rota. Um grupo de minhas amigas se auto-intitulou Apple Scruffs, como quem diz farrapos. Eu já tinha ido para o Brasil quando o George estava a gravar o “All Things Must Pass” [1970]. Quando ele acabou essa canção, chamou elas ao estúdio para ouvirem.

Em 1990, enquanto trabalhava como assistente de Milton Nascimento, teve um encontro com um velho amigo.
O Paul estava numa pequena colectiva de imprensa para anunciar o concerto do Maracanã. Quando a apresentação acabou, ele teve de cumprimentar as pessoas uma a uma e eu estava no fim da fila. Na minha vez ele parou e disse: “Porque é que eu me lembro de você?” Eu falei: “Porque já cantei consigo.” Ele lembrou-se logo e ficámos a conversar um bom bocado, foi muito legal.

Um comentário:

  1. Nossa gente! como uma história tão interessante dessas não pode ter nenhum comentário?!
    vou ser o primeiro com muito orgulho! continuem assim...
    essa senhora ainda está no brasil?
    por favor precisava contatá-la... temos um evento.. uma exposição dos beatles em minha cidade queria saber como faria para convidá-la...

    meu e-mail é brunnosayss@gmail.com
    telefone (73) 9905-8436

    ResponderExcluir

Posts relacionados:

Related Posts with Thumbnails